Uma vez uma amiga pediu que eu escrevesse algo para ser publicado no site da Rede Saci, destinado a pessoas com deficiência.
Estes dias fiz uma nova amizade, e comentei que sou cadeirante e piloto de kart. Ele elogiou minha iniciativa, minha alegria, e isso me fez lembrar daquele artigo.
É de 2004, mas continua atual pra mim, já que minha maneira de pensar continua a mesma.
Espero que gostem. Pelo menos podem conhecer o meu ponto de vista sobre o assunto.
LIÇÃO DE VIDA OU APENAS O DESEJO DE SER FELIZ?
Primeiro vou me apresentar. Me chamo Alex, tenho 33 anos, e estou paraplégico há quatro anos e meio devido a uma lesão por arma de fogo após reagir a um assalto.
Acredito que quando uma coisa como essa acontece, devemos nos apegar naquilo que nos restou, e não naquilo que perdemos. E acreditem, um paraplégico ainda tem muito o que fazer na vida.
Hoje em dia, por exemplo, estou fazendo teatro. Algo impensável antes do acidente.
Faço parte de um grupo teatral chamado Oficina dos Menestréis. Mais especificamente, participo de um projeto experimental desenvolvido pelo diretor Deto Montenegro.
Esse projeto teve início em maio de 2003, e a proposta do Deto era formar um grupo com cerca de vinte cadeirantes com o intuito de montar um espetáculo teatral/musical.
Tivemos quatro meses de curso, cujo método original - destinado a andantes - foi totalmente adaptado para os cadeirantes pelo Deto, e quatro meses de montagem do espetáculo. A peça escolhida foi o musical Noturno, de Oswaldo Montenegro.
Foram quatro apresentações em dezembro de 2003, todas com "casa cheia". O resultado foi tão bom que voltamos com mais duas temporadas, uma em fevereiro e outra em março de 2004, num total de quatorze apresentações.
O mais legal nisso tudo é que, ao final de cada apresentação, o público tinha total liberdade para subir no palco e vir falar com o elenco.
E foram inúmeros os casos de pessoas virem falar comigo com lágrimas nos olhos, confessando terem vivido uma das maiores emoções de suas vidas. Algumas nunca tinham ido a um teatro, e se diziam gratas por termos lhes proporcionado momentos tão bons.
Claro que tudo isso envaidece, massageia o ego. Você estar fazendo algo que gosta, e ter o seu trabalho reconhecido é algo que não tem preço.
Isso sem falar naquelas pessoas que diziam que nós éramos lições de vida, por sermos deficientes e mesmo assim mostrarmos tanta alegria, tanta disposição.
Esperem aí. Demorei mas cheguei onde eu queria.
O que uma pessoa portadora de deficiência mais deseja? Se tornar uma lição de vida ou simplesmente fazer as mesmas coisas que uma pessoa dita "normal"?
Acredito que a segunda opção é a mais correta. Afinal, nós lutamos contra qualquer tipo de discriminação, e isso significa que queremos ser iguais a todo mundo.
Confesso que eu nunca acordei e pensei: "Bom, hoje darei uma lição de vida pras pessoas". Pelo contrário, eu acordo e penso: "Pô, eu queria dormir mais um pouco, mas tenho que trabalhar (ou estudar, que seja)". Além disso, seria muita pretensão eu, com tantos defeitos, querer servir como lição de vida.
O xis da questão é esse. Um deficiente quer trabalhar, estudar, namorar, se divertir como qualquer pessoa. Queremos fazer essas coisas não pra servirmos de exemplo nem darmos uma lição de vida pras pessoas. Queremos fazer essas coisas porque isso nos faz felizes. Não fazemos isso pelos outros, fazemos por nós mesmos.
Não há mal nenhum no fato das pessoas ficarem admiradas ao verem um deficiente superar algumas barreiras. Se de alguma forma isso animar as pessoas a tentarem resolver seus problemas, tudo bem.
Só não podemos deixar esse tipo de coisa nos subir à cabeça, e começarmos a achar que somos mais do que alguém. Não somos mais, nem menos. Somos iguais.
Queremos apenas ser felizes. Afinal, ser feliz é uma necessidade.
*Alexander Corrêa de Araujo, 33 anos, é ator. Aos 29 anos ficou paraplégico após reagir a um assalto.
---------------
*Nota: Artigo publicado na Rede SACI em 26.Abr.04.
Nenhum comentário:
Postar um comentário